quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Breakfast at Tiffany's (Bonequinha de Luxo, 1961): 6th Avenue, Henri Mancini, liberdade, memórias....


Filmes…

Existem momentos neles que nos fazem, em alguma hora especial, muito certa na nossa vida, acordar para um novo momento, para algo que talvez desejamos, para algo com o qual sonhamos… momentos mágicos que nos fazem sonhar acordados. E nos acordam mais ainda...


Quando assisti „Bonequinha de Luxo“ (Breakfast at Tiffany’s) pela primeira vez na minha tenra adolescencia, lembro-me de que ficou muito claro para mim que New York seria parte muito importante da minha vida.

E foi. Por muitos anos.

Saudades de passear pela 5th & 6th Avenues sem rumo exato… sentando aqui e ali...

Sei que a maioria de voces espera que eu coloque a cena de entrada ou a cena na qual Audrey canta "Moon River"...

No way...

Minha preferida ainda é esta, na qual Audrey (apesar de completamente inadequada para ser a "Holy Golighltly" de Truman Capote) passeia pela 6th Ave. em frente ao Time-Life Building com o belíssimo George Peppard... Uma cena de uma liberdade incrível... O ar parece limpo, a vida parece estar em ordem, tudo é bonito, N.Y. está em paz... e os dois também.


Como sinto falta desta época de liberdade na minha vida em N.Y. quando ainda estava "isento" de tantas responsabilidades, chateações e obrigações que massacram minha alma hoje em dia... e acabam comigo day by day...

Não seria simplesmente maravilhoso abandonar toda a vida que tenho ao meu redor, pegar um voo sem dizer Adeus para ninguém e me mudar para um sala-e-quarto no Upper-East-Side e ter como única preocupação só a minha vida? Comer Pastramis & Roastbeef-Sands na Broadway? E virar uma daquelas pessoas "malucas" comuns em Manhattan?


Ser livre? Ouvir este fundo musical de Henri Mancini dentro da minha cabeça todo o tempo, como sempre faço, cantarolando-o toda vez que passo por ali, pelo Time-Life Building, atrás do radio City Music Hall?

Sim, grandes saudades de passear pela 5th & 6th Avenues sem rumo exato… sentando aqui e ali...



Bem... e para os que esperaram pela sequencia inicial e ficaram decepcionados... Voilá, para voces!!!!!

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Manon: Wiener Staatsoper, 22.10.2013


To be very honest, I was not in a real „Manon-mood“ yesterday and even thought of not going to the Opera. The dancer that was initially cast for Des Grieux was not going to dance and that had been the main reason why I had bought the ticket. Having seen “Manon” so often, and not long ago with Friedemann Vogel, I felt that it was not really a matter of extreme importance to attend to it. How wrong can one be. In fact I am tending now to say that this was one of the best “Manon” performances which I have ever seen.


Para ser bem honesto, eu não estava ontem com real disposição para assistir “Manon” e até pensei em não ir à Ópera. O bailarino que estava inicialmente escalado para dançar Des Grieux não iria dançar e este havia sido o principal motivo de haver comprado a entrada. Tendo visto “Manon” tantas vezes , e não há muito tempo com Friedemann Vogel, achei que não era caso de extrema importancia comparecer. Como podemos nos enganar. De fato estou tendendo agora a dizer que esta foi uma das melhores apresentações de “Manon” que já vi.


Maria Yakovleva gave a beautiful portrayal of Manon. Her profound insight of the character was touching, frightening, impressive and sometimes even chocking. She gave us beautiful “pictures to take with us” in a great number of scenes, some of them not even “so important” (from the dancing point of view) but extremely necessary , real “key-scenes”, to the development of the drama. For example; leaving for a new lover she displays extreme coldness and aloofness towards Des Grieux while he’s crying and begging for her. She simply shows no feeling for a man who is crazily in love with her and who left his life to be with her. She just thinks selfishly about her future, about herself. Maria Yakovleva has an incredible command, as an actress, of the fineness of this character which could have passed unobserved. She knows the role intimately. It must be hard to play such a vicious, dirty thing like Manon… Yet, this “Lola-Lola” of the 18th Century is a hard cookie but Yakovleva’s Manon is more than that. She is the Manon from Prévost not only the one from the Opera, from the Ballet, romanticized pictures… This causes, obviously, a great contrast (at the final act) to the extreme fragility to which she has been reduced and to the hopeless efforts to survive in the swamps, where she finally finds death, destroying at the same time Des Grieux’s happiness for ever…

Yes, “Lola-Lola” (The Blue Angel, 1930) comes once more to my mind (and heart):

“Männer umschwirren mich wie Motten das Licht
und wenn sie verbrennen
Ja dafür kann ich nicht“


Maria Yakovleva deu um bonito retrato de Manon. Sua profunda compreensão do personagem foi tocante, assustadora, impressionante e às vezes até chocante. Ela nos deu lindas “imagens para levar conosco” num grande número de cenas, algumas delas até não “tão importantes” (do ponto de vista da dança) mas extremamente necessárias, reais “cenas-chave”, para o desenvolvimento do drama. Por exemplo; saíndo para um novo amante ela exibe uma extrema frieza e indiferença para com Des Grieux enquanto este chora e implora por ela. Ela simplesmente não demonstra nenhum sentimento pelo homem que está loucamente enamorado dela e que deixou sua vida para trás para estar com ela. Ela só pensa egoisticamente sobre seu futuro, sobre si. Incrível seu domínio, como atriz, destas sutilezas deste personagem que poderiam ter passado desapercebidas Ela conhece o personagem íntimamente. Deve ser muito difícil interpretar uma coisinha tão depravada e suja como Manon… Meso assim, esta “Lola-Lola” do século XVIII é “osso duro de roer” mas a Manon de Yakovleva é mais do que isso. Ela é a depravada Manon de Prévost… na só a da Ópera e a do Ballet, figuras romantizadas… Isto causa, óbviamente, o grande contraste (no ato final) com a extrema fragilidade à qual foi reduzida e com os irremediáveis esforços para sobreviver nos pantanos, onde ela finalmente encontra a morte, destruíndo ao mesmo tempo para sempre a felicidade de Des Grieux…

Sim, “Lola-Lola” (O anjo azul, 1930) volta mais uma vez à minha mente (e coracao):

“Os homens me cercam como as mariposas a luz,
Quando eles se queimam,
Isto não é minha culpa”


Roman Lazik, a very good Danseur Noble, who, as many classical dancers, tends to use constantly an expression of “suffering” in different roles, gave a surprising performance yesterday. For me. I had already seen his Chevalier Des Grieux last Season but this time I was overwhelmed by the nuances which compose his “current” interpretation. Full of that special richness which reveal lots of introspective thoughts about the character, insight, sensibility. Mr. Lazik, in full command of his technique and virtuosity, gave us a very special portrayal on stage. He was the character, not the dancer preoccupied with his pirouettes and other technical displays. This is exactly what I love to see – an artist using technique as a tool to achieve perfect artistry, not a dancer in a constant cult to technique.


Roman Lazik, um muito bom “Danseur Noble”, que, como muitos bailarinos clássicos, tende a usar constantemente uma expressão de “sofrimento” em diferentes papéis, deu uma surpreendente apresentação ontem. Para mim. Eu já havia visto seu Chevalier Des Grieux na última estação mas desta vez fiquei extasiado com as nuances que ele compos para sua “atual” interpretação. Cheias daquela especial riqueza que revela muitos pensamentos introspectivos sobre o personagem, discernimento, sensibilidade. Mr. Lasik, em completo comando de sua técnica e virtuosidade, nos deu um especial retrato no palco. Ele era o personagem, não o bailarino preocupado com suas piruetas e outras demonstrações técnicas. É isto exatamente o que amo assistir – um artista usando sua técnica como ferramente para alcançar perfeita arte, não um bailarino num constante culto à técnica.


But the real Star of the evening was Misha Sosnovschi. I compare his Lescaut to the greatest ones I have ever seen. You are thinking about David Wall (1946-2013) who was Lescaut to Anthony Dowell’s Des Grieux? Yes… But I am also thinking of Dowell’s cynical Lescaut to Wall’s Des Grieux (yes, they alternated the roles a lot!). It’s been a long time since I’ve seen such a Lescaut. Human, with all his faults, flaws, vices, greed, eroticism, humor… His Lescaut is really made of flesh and blood. Misha is passing though that very special moment in an artist’s life, an unique moment that does not take long – a moment in which he brings together two very important things… he still has his intact youth but he arrived at a certain point of artistic maturity. He shines technically and is, at the same time, an actor mastering his character in his minimal details.

Chapeau, Mr. Sosnovschi – who also showed great skill while partnering Ketevan Papava in the “drunken pas de deux”!


Mas a verdadeira estrela da noite foi Misha Sosnovschi. Eu comparo seu Lescaut com os maiores que já assisti. Voces estão pensando sobre David Wall (1946-2013) que foi Lescaut para o Des Grieux de Anthony Dowell? Sim… mas também estou pensando no cínico Lescaut de Dowell para o Des Grieux de Wall (sim, eles alternavam muito nestes papéis!). Já faz muito tempo desde que assisti um Lescaut assim. Humano, com todos suas falhas, defeitos, vícios, ganancia, erotismo, humor… Seu Lescaut é realmente feito de sangue e carne. Misha está passando por aquele momento muito especial na vida de um artista, um momento único que dura pouco – momento no qual reúne duas coisas muito importantes… ainda tem sua juventude intacta mas chegou a um ponto de maturidade artística. Ele brilha técnicamente e é ao mesmo tempo um ator dominando seu personagem nos mínimos detalhes.

Chapeau, Mr. Sosnovschi – que também demonstrou grande habilidade enquanto fazendo parceria com Ketevan Papava no “Pas de deux bebado”!

Davide Dato, brilliant as the beggar in the first act and Alexis Forabosco’s very imposing warden who is possessed by desire for Manon were other “ingredients” that made this evening a very special one. Monsieur Forabosco’s unique presence on stage also reconfirms what I said above… A dancer in full command of his technique… and, by the way, the warden is one of the most daring characters in a MacMillan piece. He is erotic and dangerous. The scene in which he kisses Manon’s foot and uses her leg as an object for pleasure is more than notorious…


Davide Dato, brilhante como o mendigo do primeiro ato e o imponente administrador de Alexis Forabosco que é possuído pelo desejo por Manon foram outros “ingredientes” que fizeram desta noite uma noite muito especial. A presença cenica de Mr. Forabosco reconfirma o que eu disse acima… Um bailarino em total controle de sua técnica… e, aliás, o administrador é um dos personagens mais ousados numa peça de MacMillan. Ele é erótico e perigoso. A cena na qual beija o pé de Manon e usa sua perna como um objeto de prazer é mais do que notória…


The choice of Dagmar Kronberger for “Madame” was not a good one: my image of this character is a completely different one – she should be more vulgar, grotesque, ugly… everything that Miss Kronberger isn’t. Dagmar Kronberger’s natural elegance and beauty makes it very hard for us to relate to her as an underworld woman. She’s more an aristocratic beauty than a bawd.
Besides, I believe that Madame should be a role for a much elder Dancer. But are there elder character dancers at the Opera at the moment? I do not think so… Like in Stuttgart we would need here a Ludmilla Bogart, a Melinda Witham, a Dimitri Magitov


A escolha de Dagmar Kronberger para “Madame” não foi boa: minha imagem deste personagem é uma completamente diferente – ela deveria ser mais vulgar, grotesca, feia… tudo o que Miss Kronberger não é. A natural elegancia e beleza de Dagmar Kronberger nos deixa com dificuldade para nos relacionar-mos com ela como esta mulher do sub-mundo. Ela é mais uma beleza aristocrática do que uma cafetina.
Além disso, acredito que Madame deveria ser interpretada por uma bailarina mais velha. Mas existem bailarinos de caráter mais velhos na Ópera de Viena nesse momento ? Acho que não… Como em Stuttgart necessitamos aqui de uma Ludmilla Bogart, de uma Melinda Witham, de um Dimitri Magitov…


To finalize I would like to mention a new name, a new member in the corps de Ballet, which you will surely see a lot and hear a lot of in the near future: Leonardo Basilio. I had the pleasure to meet Leonardo, casually, last Saturday in a premiére at the Volksoper. Not knowing what to expect from him on stage, I was quite curious about this Portuguese young Gentleman from Macao. And he surprised me: he has not only a beautiful, clean technique but also a strong presence on stage. I was amazed… such a young dancer but like his colleague, enchanting Rafaella Sant’Anna , wisely said: “when you got it, you got it”. Bravo, Leonardo!


Para finalizar gostaria de mencionar um novo nome, um novo membro do corpo de baile, do qual voces muito ouvirão falar no próximo futuro: Leonardo Basilio. Tive o prazer de conhecer Leonardo, casualmente, no último sábado numa premiére na Volksoper. Não sabendo o que esperar dele no palco, estava muito curioso para ver este jovem gentleman portugues de Macau. E ele me surpreendeu: ele não só tem uma bonita, limpa técnica como também uma forte presença cenica. Fiquei impressionado… um bailarino tão jovem mas como uma colega sua, a encantadora Rafaella Sant’Anna, sábiamente disse: “quem tem, tem”. Bravo Leonardo!


Something very rare happened to me in that evening of October 22nd: I leaned back on my seat, forgot all I know about ballet, let the story be told to my heart, became a tiny part of the huge audience and at the very end of the tragic story, I cried.

Yes, emotion took over.

There was no intellect, nor analysis, nor subjective interpretations: just emotion.
I am thankful for that.
Thanks to the whole ensemble!

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Algo muito raro aconteceu comigo nessa noite do dia 22 de outubro: eu me recostei na minha cadeira, esqueci tudo o que sei sobre ballet, deixei a estória ser contada para o meu coração, virei uma pequenina parte do público e no finalzinho da trágica estória, chorei.

Sim, emoção me dominou.

Não havia intelecto, nem analises, nem interpretações subjetivas : só emoção.
Estou gradecido por isto.
Obrigado à toda companhia!

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Judy Garland: the great Lady has an Interview (1946)



The Great Lady Has An Interview
, número do filme da MGM de 1946 “Ziegfeld Follies”, tem toda uma excitante história de criação, inventividade, espontainedade e "daquelas" casualidades... daquelas que fazem de uma obra de arte algo indiscutívelmente eterno!


Kay Thompson, uma das mais fortes personalidades que já trabalharam em Hollywood teve em 1945 a idéia para “The great Lady”: uma paródia sobre uma “atriz de peso”, uma “Lady” da sétima Arte na melhor tradição de uma Bette Davis ou de uma Greer Garson. Ela idealizou, escreveu, compos e fez o arranjo musical e vocal do número…

“The great Lady” conta a estória de uma “atriz de peso” que está cansada de ter papéis monumentais em filmes monumentais… Filmes e papéis destinados a ganhar “Oscars”.

Ela literalmente "sonha" por papéis mais “sexy” no qual ela possa mostrar mais pernas, atuar mais com seu “torso”… Ela sonha e se compara à Betty Grable, à Ginger Rogers


Mas seu próximo filme já está fixo e marcado, uma biografia sobre “Madame Crematante” (Gretchen Crematante, entre nous...), a inventora do alfinete de seguranca!!!! E é isso o que ela relata ao senhores da imprenssa, aos “members of the fourth state”.


Na realidade Kay, com o imenso humor que possuía, havia composto o número especialmente para Greer Garson – atriz “de peso” da época conhecida dos grandes dramas e (também) por filmes “biográficos” como “Madame Curie”.

Quando Kay apresentou porém o projeto e o número para Greer, acompanhada sómente por um piano, esta, que não era realmente conhecida pelo seu humor e não era particularmente amiga de comédias, recusou o número na hora!

Não são todos os seres humanos que tem o dom de saber rir de si mesmos…

Vincente Minnelli
, amissíssimo de Kay e que na época namorava Judy Garland teve a espontanea (e genial) idéia de colocar sua futura esposa neste papel.
Ele havia colocado Judy no seu primeiro papel adulto em “The clock” (1945) que porém ainda não havia estreiado… Apesar da relutancia da MGM em colocá-la neste papel, Minnelli “matou dois coelhos de uma cajadada”: não só conseguiu este genial pedaço de “casting” como também conseguiu ser ele mesmo escalado para dirigir o número (Charles Walters, que haveria dirigido , recebeu um outro número no filme, ficou porém como coreógrafo de “Lady”.


Nascia um trabalho de puro genio: a combinação Garland-Thompson-Minnelli-Walters criou um dos mais originais números musicais jamais feitos na Metro. Sim trabalho de puro genio…

Thompson, que tornou-se a melhor amiga de Garland e madrinha de Liza (com quem morou até sua morte) faria, como atriz, o famoso “Funnny Face” (1957) ao lado de Fred Astaire e Audrey Hepburn e teria a rara distinção de ser talvez a única atriz que roubou descaradamente a cena enquanto contracenava com Fred em “Ring them bells” – mas esta é uma outra estória… ).


Kay Thompson trabalharia muito no futuro vocalmente com Garland, alcançando talvez o ápice da sensibilidade de um trabalho em conjunto no número “Look for the silver lining” (Veja a “tertúlia” de 04.12.2012).

Além disso tudo “The great Lady” tem outra distinção: décadas antes de “Rap” existir, Judy nos dá aqui, com o arranjo e direção vocal de Thompson um “show de Rap”.


Confiram!

Judy: afetadérrima, pseudo-dramática, pseudo-britanica, histérica, empostadíssima, diferentíssima de seus papéis juvenis, cheia de ares, de caras e bocas e divinamente louca! Uma danadinha!!!!!
Quanto talento! Admiro, Adoro!

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Josephine Baker: original e cópia...


É muito difícil ter-se uma exata imagem de quem foi Josephine Baker, da pessoa atrás da máscara que usou toda a vida. Todas suas biografias são contraditórias... Difícil entender os seus motivos, os seus porques, aqueles que não tinham o que ver com o preconceito contra sua cor de pele – este motivo, sim, era mais do que óbvio: pura sobrevivencia e desejo de ser respeitada…


Josephine criou um furor em Paris quando dançou práticamente nua na «La Revue Nègre» de Paul Colin em 1925.


Mas esta forma de sucesso imediato era baseado no puro «escandalo» de estar com os peitos nús no palco… Seguiram outros “pequenos” escandalos (mínimas tangas de bananas por exemplo) mas quando estes passaram a ser parte do dia-a-dia parisiense e perderam seu inicial “impacto”, ela teve que fazer um tournée pela Europa para poder manter-se pagando as contas: na Suécia virou um ídolo, em Viena chamaram-a de «bruxa» e os cartazes, nas demonstrações na frente do teatro onde se apresentava, mandavam-a de “volta para a África”.


De volta a Paris percebeu que não era suficiente ser uma dançarina escandalosa e exótica que pintava as unhas de dourado e passeava seu leopardo na coleira (trocada todo dia para estar de acordo com sua roupa) pelos Champs Elysées… Não.
Os “Anées folles” chegavam ao fim…


Aprendeu a cantar, tomou aulas sérias de dança, foi ensinada a se vestir, falar, se comportar e criou assim uma nova imagem que nada tinha o que ver com a primitiva, nua, selvagem "africana" (que na realidade degradava extremamente o status de sua propria raça!).



Voltou aos U.S.A. pela primeira vez em 10 anos, para trabalhar num Show do «Ziegfeld Follies» em 1935.


Foi literalmente estraçalhada pela crítica (e público) que não aceitava que ela estivesse fazendo coisas “de branco” (talvez até melhor do que muitos) como cantar textos maravilhosos de Cole Porter e ser o centro do show - bem vestida, bem arrumada, penteada, reluzindo limpeza, glamour e perfume. Isto nos U.S.A. não era coisa de "Negrinha", como foi até chamada no jornal...


Exatamente o que aconteceu com Lena Horne no cinema… uma cena sua tomando banho de espuma foi considerada “risqué” – não era coisa para uma “negra”. E isto, toda esta ignorancia e preconceito “só” há 70 anos atrás…
Que puro absurdo!
(Josephine recebeu propostas de Hollywood… porém para fazer papéis de empregada. Logo ela que era casada com um Conde e tinha seus próprios serventes… ).

Nesta época, apesar de, mesmo com muita crítica negativa, ser uma estrela da Broadway, era obrigada a entrar no seu hotel pela cozinha pois “alguns Gentlemen do Sul que estavam no hotel não estariam de acordo, se incomodariam com sua presença no Lobby, no Restaurante do Hotel”. Seu marido, o Conde, óbviamente podia circular pelo Hotel como bem quisesse.

Acabou seu casamento com ele e voltou arrasada e deprimida à Paris onde era tratada como ser humano de primeira classe (Contava Josephine que ao chegar pela primeira vez em Franca e ser servida por um garçon branco que chamou-a de “Madame”, ela soube imediatamente que esta seria sua futura pátria). Virou cidadã francesa.

O exército alemão invadiu Paris.

Servindo sua nova e amada pátria espionou alemães (ao ser “descoberta” teve que pular de uma janela para se salvar: um envenenamento quase lhe custou a vida e lhe causou a perda dos cabelos), foi enviada pela “Resistance” para a África e trabalhou muito para os aliados.


Continuou sua carreira depois da guerra, voltou à América para uma tournée desastrosa, foi rejeitada em 63 hotéis em N.Y., o espetáclo acabou sendo cancelado depois dela ter processado o Stork’s Club de N.Y. por racismo (ela e seu grupo não foram servidos sob a alegação de que não havia mais comida - Outros que chegaram mais tarde foram servidos!). Tudo isto causou uma campanha negativa, contra Baker que mais uma vez retornou à Paris deprimida e arrasada. Nunca mais voltaria ao seu país de nascimento.


Então adotou várias crianças de várias nações, recebendo assim muita publicidade, acabou seu segundo casamento, perdeu todo seu dinheiro, foi despejada, recebeu um convite de Grace Kelly para viver no Monaco, voltou ao palco num show de notável mau-gosto que foi notávelmente financiado pelo Princípe Rainier, sua esposa Grace Kelly e Jacquie Kennedy Onassis!!!!
Na estréia estavam na platéia Sophia Loren, Mick Jagger, Shirley Bassey, Diana Ross e Liza Minnelli.

Quatro dias após a premiére ela sofreu uma hemorragia cerebral e entrou em coma para falecer pouco depois.

Foi a única “americana” (de nascimento) a receber as honras de um ceremonial de enterro de estado – seu corpo se encontra hoje no cemitério do Monaco!

Mas porque escrevo tudo isso?


A “persona” no palco que Josephine representava nunca me agradou. Muito pelo contrário! Não dou menor valor à provocação do exibicionismo barato (e talvez gratuito?) de suas épocas da “La Revue Nègre” e das tangas de bananas, sua voz era mínima e comum, sua dança sempre foi envolta numa capa de óbvio amadorismo, sua evolução para “Rainha” do Follies Bérgere (ou de seu estilo) é para mim um dos piores casos de mau gosto da história do show-Business, aquela coisa , tão passada, chamada “Plumas e paetês”. Terrível… como se ela de ano em ano se transformasse numa feia caricatura de si mesma.

E isto sem nem mencionar a cafonice de suas últimas apresentações na qual parecia uma espécie de Elvis Presley travestido ou uma mutação amassada de Liberace…


Em 1991 uma biografia de TV de Baker chamada "The Josephine Baker Story" (que nem é mencionada na Wikipedia) foi feita para a televisão: um filme com muitos erros biográficos, muita “água com açúcar” e muita “criatividade” no que diz respeito à vida de Baker.

Josephine
na realidade nunca venceu grandes batalhas no que dizia relação ao ativismo contra o problema racial americano. Perdeu a maioria delas e se refugiou numa posição confortável num país onde era muito amada, por ser um ícone.


Nesta cena, que veremos, Lynn Whitfeld (que interpreta Baker) está no Norte da Africa durante a guerra, recuperou-se duma pneumonia e várias outras infecções e decidiu cantar para os soldados, entreter as tropas…
Ela porém para de cantar quando nota que os soldados negros estão “lá atrás” e os brancos sentados nos bancos da frente… Ao som de «J´ai deux Amours» ela transforma esta simples (e linda) chanson num conto de fadas de ativismo de direitos civis (os dois países «dentro dela» não são mais os U.S.A. e a França e sim o seu lado negro e seu lado branco… Note-se que esta música foi composta nos "Anées folles”, nos quais Paris havia-se tornado capital mundial do Jazz, nos quais músicos negros eram « amados » e nos quais problems raciais aind não existiam como hoje ! ).


Bem, final feliz, todos felizes…
os soldados negros vem sentar-se na frente ao lado dos brancos que os recebem com toda a amabilidade e carinho que só existe entre irmãos… como acontece todos os dias (!?!), principalmente nos U.S.A.... esta forma aberta, simpática, aconchegante de ser em relação à cor de pele, tão típica do povo norte-americano... stou sendo cínico? Perdão, mas só a TV americana pode criar cena de tal banalidade e irrealismo!

Pelo menos tudo isso acontece ao som da linda canção e de um (sincronizado) desempenho vocal simplesmente maravilhoso… Uma das razões porque prefiro a sincronizada Lynn (muito linda)ao “original” Josephine com sua "vozinha"…

No final de tudo, pela música, quase vale a pena assistir esta cena lacrimogenia…

Mas temos admitir “entre nous”: se a vida fosse realmente assim…

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

The Shape of Love e o dom da síntese: Kirkland & Dowell


Revendo uma cena que é importantíssima para mim e sem me importar que já uma vez a publiquei aqui, volto a tentar descrever (sim, é "tentar" mesmo) o que sinto quando a assisto... Espero que voces compartilhem esta emoção comigo...


Admiro demais as pessoas que possuem o poder, o dom da síntese.

Talento raro e por mim até “invejado” (no bom sentido) pois sou um daqueles que começam uma estória e aí se lembram de 25 outras, todas intercambiadas por algum banal motivo e aí “perdem o fio da meada” por nem saberem mais o porque de estar contando aquilo (e muito menos ainda o porque de terem começado este discurso… sim… sou também um daqueles "contadores cronicos" que, no caminho, se «perdem nos "entretantos" sem chegar aos "finalmentes"»)

Mas grandes artistas me fazem às vezes, raramente, adquirir o dom da síntese…
Porque talvez me inspirem já que eles o possuem... como nesta cena, na qual reúnem uma gama de emoções que vão de A a Z numa única palavra... amor.

No contexto da didática tradicional, a síntese é o ato de abordar as principais idéias e pontos de conexão de uma determinada lição. Ligá-los, por assim dizer...

Que outra palavra poderia descrever o que vejo e sinto quando assisto Gelsey Kirkland e Anthony Dowell na cena do balcão de “Romeo and Juliet” de MacMillan senão pura “PERFEIÇÃO”. Desde a perfeita música de Prokofieff, da coreografia à interpretação dos maravilhosos bailarinos...


Obrigado aos dois por tal momento de arte eternizado em video e no relato no imortal livro “The Shape of Love” (que nome mais apropriado quando penso nesta cena), no qual Gelsey nos fala de suas idéias (quase loucas) sobre a interpretação de Julieta e de sua maneira (quase científica) de trabalhar, ensaiar...

Mas tudo isto talvez pouco importe... é o resultado que conta: “PERFEIÇÃO”!

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Le Boeuf sur le Toit & o magnífico Alexandre Tharaud




Lendo no momento „Les années folles / Os anos loucos” de William Wiser (presente dado com muito carinho por amigas muito queridas!) nada mais adequado do que compartilhar um pouco do que me vem "ocupando" há semanas e um pequeno conhecimento sobre “Le Boeuf sur le Toit” que se encorporou a mim… mais um daqueles conhecimentos "inúteis" que são extremamente essenciais para mim...


Sempre tive curiosidade em saber por que uma improvisação de Jazz, uma “Jam Session” é chamada em frances de “Faire le Boeuf”… Pois é: não existem coincidencias !

“Le Boeuf sur le Toit”
(O boi no telhado) é o nome do famosíssimo café-bar-restaurante, fundado em 1921 que se encontrava originalmente na rue Boissy d’Anglas no oitavo “Arrondissement” parisiense. Curiosamente o compositor Darius Milhaud tinha estado no Brasil e ficou muito impressionado com uma música folclórica da época chamada “O boi no telhado” (!?! alguém conhece ?!?). De volta à França em 1919 ele fundou um grupo musical chamdo “Les Six”. Jean Cocteau era um informal membro do grupo e algum depois fez a coreografia (conheciam este lado de Cocteau?) para uma nova composição de Milhaud, chamada “Le Boeuf sur le Toit”. Esta, um ballet, tornou-se tão popular que podia-se ouví-la «muy amenudamente» tocada pelo próprio Milhaud e Georges Auris e (pasmem) Arthur Rubinstein à seis mãos num local chamado “La Gaya”. Foi então que a constante presença de Cocteau e seu círculo fizeram de La Gaya um local tão popular que em dezembro de 1921 o dono mudou seu bar para a rue Boissy d’Anglas e lhe deu o nome de «Le Bœuf sur le Toit». O bar-restaurante-café tornou-se tão popular que até hoje se acredita que o ballet recebeu seu nome por causa da fama do «bar». Exatamente o contrário foi o que aconteceu.


Le Boeuf sur le Toit foi um grande sucesso a partir do dia de sua abertura. E tornou-se o centro da sociedade intelectual parisiense ao longo dos anos 20. Diz-se que na noite de sua estréia o pianista Jean Wiéner tocou Gershwin acompanhado de Cocteau e Milhaud na bateria… Nesta mesma noite estavam na platéia Pablo Picasso, René Clair, Sergei Diaghilev , Maurice Chevalier... e depois vieram os Fitzgeralds (Scott & Zelda), Hemingway, Dorothy Parker, Allan Campbell, Lillian Hellmann e todos os maravilhosos artistas de todos possíveis setores que habitavam – por causa da extrema desvalorização do Franco – a maravilhosa Paris…

Sim…

"Le Boeuf sur le Toit - Gala 1922"

Sim, artistas de todos os setores vinham para “Le Boeuf”. Pendurado numa parede estava o (agora) famoso quadro dadá “L’Oeil Cacodylate” de Picabia.. Mas a função básica do bar era ser “um templo” para a música: podia-se ouvir Wiéner tocando Bach, Marianne Oswald cantando canções de Kurt Weill. Lá se via Stravinsky, Francis Poulenc, Catherine Sauvage e Erik Satie! Músicos de Jazz apareciam por lá depois de terem feito suas próprias aparições em outros clubes e tocavam até altas horas da madrugada… Paris era a capital do jazz! E daí, de lá, vem a expressão “Faire un Boeuf” (na realidade uma alusão ao local) quando se trata de uma “Jam Session” – vamos agora procurar o por que da expressão “Jam Session”…

Mas não devemos esquecer do virtuosos pianista belga Clément Doucet tocando Cole Porter, Gershwin e seu trabalho, seu maravilhoso trabalho… Apesar de ter tido sua formação como pianista clássico ele esteve tres anos nos U.S.A. onde se aprofundou na técnica do jazz, principalmente no que diz respeito ao trabalho da mão esquerda no piano…

Foto da mao esquerda de Alexandre Tharaud (copyright Mathurin Bolze)

Quando retournou à Europa tornou-se pianista de «Le Bœuf», sucedendo Wiéner, com quem depois formou uma “dupla pianística” de 1924 a 1939. Juntos deram mais de 2000 concertos e fizeram mais de 100 discos de jazz, blues e música clássica, além de terem acompanhado grandes chansonniers como Piaf, Maurice Chevalier e o maravilhoso, esquecido, Jean Sablon!


Doucet teve a grande inventividade (e genialidade) de transformar em “Ragtime” duas obras… A primeira “Isoldina”, baseada em “Mild und Leise” (Liebestod/ A morte pelo amor), última parte de “Tristan und Isolde” de Wagner, que “acaba” literalmente com qualquer soprano que já está no palco cantando há cinco horas… Ouçam esta delícia…



A segunda, sua maior obra ao meu ver, é “Chopinata”, um tributo “ragtimesco” ao trabalho de Chopin!
Obra de genialidade única…


E é aqui que entra Alexandre Tharaud (nascido em 1968), magnífico pianista frances nesta postagem! Grande artista que começou seus estudos aos 5 anos de idade. Com 14 entrou no Conservatório de Paris. Desde os 17 tem uma belíssima carreira… Chopin, Scarlatti, Bach, Schubert


Agora lançou um novo CD, sua mais "louca, desvairada aventura" pelo mundo da música , o maravilhoso «Le Bœuf sur le Toit – swinging Paris»b>, no qual toca no seu maravilhoso piano, sem nenhum outro acompanhamento, os grandes arranjos que foram feitos nos anos 20, neste incrível restaurante-café-bar com os trabalhos de Gershwin, Donaldson, Cole Porter, H.H. Brown, para citar só alguns, inclusive Doucet… Sim os maravilhosos arranjos de «Isoldina» e «Chopinata» estão aqui neste CD, preservados para futuras gerações, tocados pelo jovem mestre… Que maravilha!


Logo Tharaud, logo ele, não quer ter um piano em sua casa pois acha que se dedicaria mais ao trabalho da improvisação do que à ardua prática técnica diária… de que prazeres nos estará privando?



Posso ser muito sincero? Quando penso nos “Années folles” me pergunto: porque tive que nascer em 1960? Ou será que estava lá, em outra encarnação ?

Dedico esta postagem às amigas que me deram de presente este livro ao incrível, que me fizeram ficar com «as orelhas em pé» quando ouvi no meu querido programa de rádio «Pasticcio» (que ouço todo dia quando estou dirigindo para o trabalho) esta matéria sobre “Le boeuf sur le Toit”, “les Années folles », Doucet e Tharaud… Não existem realmente coincidencias, não é verdade??



P.S. (26.09.2013) :
Por motivos que só eu poderia explicar, esta postagem só será colocada no ar no dia em que minha querida amiga – que também me presenteou o livro “Les années folles” – voltar para casa do hospital depois de um “sustinho que nos pregou”.
Prometi isso.
Bem-vinda em casa, minha querida, e muitos beijos!